No texto anterior - União? -, eu enfatizei a questão dos organismos internacionais, tendo no topo a Organização das Nacões Unidas (ONU), e sua escancarada submissão à agenda de Washington DC no ocidente.

Na guerra, essa submissão torna-se evidente, especialmente agora na Ucrânia. Os interesses sobre o controle da energia global estão por trás desse conflito, que começa quando os Estados Unidos tentam assumir os bastidores políticos ucranianos para expandir ainda mais esse controle e, assim, manter sua hegemonia global, em detrimento de uma nação emergente, que se sustenta pela exportação de commodities, a Rússia (nisso, Brasil e Rússia são bem parecidos).

Pois bem, quantas vezes nós dissemos que por trás de todas as guerras atuais, mesmo aquelas sem participação direta dos Estados Unidos, se escondiam os interesses norte-americanos?

Mais uma vez, isso se repete na Ucrânia. E depois de três décadas de avanço da OTAN em direção à Rússia, agora que a guerra estourou, os Estados Unidos fogem da luta e deixam os ucranianos à própria mercê, apenas fornecendo armas para que enfrentem um inimigo que não podem vencer, transformando um presidente-ator em uma espécie de Capitão América que propagandeia a guerra e fomenta um discurso alinhado a Washington, sem se importar com as vidas perdidas de seus conterrâneos.

Em paralelo, os organismos internacionais do ocidente aprovam um pacote monstruoso de sanções, imaginando que isso irá frear os russos.

Mas se nós sempre observamos as ações mascaradas dos Estados Unidos por trás de cada guerra ou golpe de Estado mais recentes (como no Brasil, em 2016), por que com a Rússia seria tão diferente? Como não sabemos se há mais interesses por trás das ações de Wladimir Putin, muito além dos interesses da própria Rússia?

Isso nos leva a pensar que sim, que há outro ator nessa história. Um ator que se esconde atrás das cortinas, cauteloso, que age em silêncio e calcula cada um de seus passos como em um jogo de xadrez, sempre pensando com movimentos muito a frente do que podemos enxergar. Esse ator é a China.

Nesse xadrez, Putin já sabia que as negociações em torno das suas linhas vermelhas não avançariam, portanto se preparou para a última rodada diplomática em torno das questões envolvendo a Ucrânia já com seu plano de dissuasão pela força preparado - e não havia mais como recuar. Porém, suas ações se balizam na chamada “Doutrina Putin”, que nada mais é do que uma doutrina sino-russa.

O fracasso óbvio das últimas rodadas diplomáticas do ocidente mostrou que Putin não estava blefando, assim, ele avançou para luta armada, sabedor de que as sanções contra seu país seriam as mais pesadas jamais vistas.

Mas aí entra a China, cujo papel nessa disputa está em sua força econômica, refreando a sanha do ocidente em transformar a Rússia em uma nação pobre e totalmente isolada do resto do mundo, buscando também no campo diplomático impedir que isso se estabeleça e contrabalanceando essas sanções para impedir que o Ocidente se beneficie delas, como vem anunciando o presidente norte-americano, Joe Biden.

Aí chegamos ao ponto da virada

O papel da Rússia não é guerrear contra a OTAN, a Europa e/ou os Estados Unidos ou demais países do ocidente. Não é para combater o neonazismo, nem controlar as jazidas de gás natural ucranianas, muito menos tomar o controle do país, garantir o acesso ao Mar Negro ou manter o fluxo do rio Dniepre. Essa guerra visa trazer instabilidade para um Ocidente cujas lideranças se mostram extremamente frágeis e ainda presas a velhas doutrinas que remetem ao tempo da Guerra Fria - basta analisar os discursos de Biden, que tenta dividir o mundo em “nós contra ele (Putin)”. A Rússia está impondo ao Ocidente a mesma lição que os Estados Unidos impuseram à Europa na Guerra do Kosovo, ocasião em que Bill Clinton aproveitou o vacilo dos líderes europeus em lidar com a limpeza étnica promovida pela Sérvia contra a população albanesa, visando desestabilizar a União Europeia.

Essa instabilidade decorrente do conflito na Ucrânia afetará a economia global em um momento no qual a fragilidade nas relações internacionais ainda busca fôlego para se recuperar da pandemia do novo Coronavírus. Além de afetar a Rússia e o mundo inteiro, essa instabilidade também afetará a China.

Aí vem a pergunta: o que a China teria a lucrar com isso, e como ela lidaria com a crise mundial do ocidente?

Da mesma forma como ela conseguiu controlar a pandemia em seu país: pela força de seu governo e pela capacidade inigualável de mobilização de seu povo.

Percebem? Enquanto as democracias elegem líderes risíveis, os tais “outsiders” da política, títeres de interesses que não coincidem com o de seus próprios povos, o Oriente se reúne em torno de lideranças fortes e capazes de desempenhar o xadrez geopolítico com uma visão e objetivos muito além de apenas manter o mercado financeiro intacto e de alimentar políticas neoliberais que estão a beira de seu esgotamento.

Não são os mísseis russos que vencerão essa disputa, e sim o labor chinês

Enquanto o ocidente fica perdido em suas ações, sem saber como lidar com a crise, da mesma forma como não conseguiu conter a pandemia, o Oriente se fortalecerá por suas capacidades as quais testemunhamos durante a mesma.

O desastre no ocidente é inevitável, e a medida que as nações se virem tragadas por uma crise cada vez mais intensa, elas começarão a olhar para o Oriente como a saída para resolução de seus problemas.

A crise que se seguirá às sanções contra a Rússia, e a ameaça bélica na Europa são apenas o primeiro e o segundo movimento desse xadrez geopolítico, mas serão os próximos movimentos que realinharão a nova ordem mundial pela liderança da China em parceria com a Rússia.

Quando o ocidente acordar, a nova Roma não será mais Washington, muito menos Moscou, será Pequim. Até percebermos isso, sofreremos as consequências de não termos aceitado pela paz e pela diplomacia aquilo que sempre foi inevitável.

Os negócios da China, enfim, serão os negócios do mundo. E aquela que sempre foi a maior civilização humana, será o centro não só do hemisfério oriental, mas do globo inteiro.

 

Escrito por Pedroom Lanne

 

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